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Showing posts from 2008

Lição de amor

Gosto de ouvir " The Story ", programa produzido pela rádio pública do estado da Carolina do Norte e apresentado por Dick Gordon. The Story dá a oportunidade a cidadãos anónimos contarem a sua história que pode ter sido uma experiência traumática, uma benção recebida, um reconhecimento público a alguém que faleceu e que se sente que é necessário prestar uma homenagem única. Evidentemente, facilmente este tipo de programa pode cair na devassa da vida íntima das pessoas mas Dick Gordon é o condutor ideal. Seja um tema doloroso, seja um acontecimento de júbilo, Dick Gordon mantem a mesma entoação segura, suave e curiosa no sentido de fazer com que o seu interlocutor fale à vontade, quiçá fazendo com que se esqueça que há um microfone à frente. Assim, estamos todos juntos: o(s) contador(es) da história, Dick Gordon e todos os ouvintes, que permanecem num silêncio cúmplice. O que ouvi hoje incitou-me finalmente a escrever sobre o programa que já faz parte do meu fim de dia. Nest

Náufragos...

A minha imagem de tranquilidade, de sintonia com a existência humana e com a natureza é a de um ancião de cabelos e barba brancos, vestido de forma simples e com um boné a proteger-lhe os olhos do sol impedioso. Está sentado num mocho, por baixo de uma das janelas da sua casa de piso térreo e construída em pedra negra, com as mãos a repousarem nos joelhos. A casa está situada algures numa encosta no interior da ilha de Santiago. Com uma vida levada na esperança de boas chuvas e de um bom ano de colheita, nesse momento, ele sorri porque tudo à sua volta está verde. A natureza dar-lhe-á o que ele precisa e ele contempla-a extasiado. Ontem, fez um mês que cheguei aos Estados Unidos. Estou em Detroit há três semanas e comecei a trabalhar há uma. Com o meu regresso a Detroit, reencontrei o Said que já se interrogava sobre o meu paradeiro visto ter-lhe dito que regressaria em Janeiro e que lhe telefonaria para ele ir buscar-me ao aeroporto. Através dele, tenho conhecido outros árabes afric

Marulhar das ondas

Mais um fragmento da história da D. Bia Era uma senhora petite . Caminhava ligeira pelas ruas da cidade de Mindelo no seu passo pequeno e rápido, postura erecta e olhar decidido. As agruras da vida nunca lhe tinham tirado a capacidade de gargalhar. Por sentir o dom da vida a cada momento, os olhos de D. Bia bailavam constantemente de alegria. Esse júbilo nunca esmoreceu, nem quando descobriu, aos 24 anos, que o seu casamento era uma falácia e que tinha sido mais uma a cair na cantiga melodiosa de um marinheiro que aportava algumas vezes por ano em S. Vicente. Chorou silenciosamente mas o brilho nos olhos nunca chegou a desaparecer. E porque deveria? Tinha conseguido trazer ao mundo seis crianças saudáveis e que hoje só lhe davam alegrias! Todavia, havia uma altura do dia onde o andar se tornava pausado, tranquilo, sem pressas. Pela manhãzinha, D. Bia fazia o percurso da avenida marginal até à praia da Laginha. Iniciara esse ritual no dia seguinte à partida do último filho para o estran

George Bailey

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George Bailey, abrindo os braços para mostrar ao empregado da loja o tamanho da mala que queria comprar para depois percorrer o mundo... Desde criança, George Bailey sonhou em calcorrear o mundo, explorando novas terras e construindo grandes obras. O que ele não queria era ficar para sempre em Bedford Falls, uma cidade pacata dos Estados Unidos da América. Contudo a vida vai-lhe pregando partidas e ele vai adiando sempre o seu sonho, acabando por chegar à casa dos quarenta a fazer projectos em papel e a assumir o negócio do pai, uma espécie de cooperativa de habitação, implicando lidar com empréstimos, juros e a ficar confinado num escritório o dia inteiro. Na sua ânsia de partir e não criar laços, recusou-se a admitir que se apaixonou por Mary, a menina que virou mulher e que foi sempre apaixonada por ele. Rendeu-se ao amor, casou-se com Mary e tiveram quatro filhos, vivendo numa casa enorme e decadente que não podia ser devidamente restaurada por falta de dinheiro. Na véspera de um N

Objectos de afecto

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Esta boneca vestida com um traje típico das mulheres africanas, feita em pano, meia collant e arame, faz parte do meu mundo desde Agosto de 2003. Estávamos num passeio habitual pela Cidade Velha, na ilha de Santiago. Fiquei encantada com o colorido dos trajes, com a forma engenhosa como as bonecas tinham sido feitas. A minha tia Isabel, fluente em wolof , aproximou-se da venda dos Senegaleses e iniciou o regateio do preço. Mera espectadora de um diálogo que não conseguia entender, pude contudo pressentir o crescer de um misto de alegria e de tristeza por parte da vendedora. Escolhi a boneca e aí a tristeza da vendedora pareceu dominar a alegria por ter feito negócio. Afectuosamente, acariciou e beijou a boneca, dizendo algo em wolof . Fiquei ávida pela tradução e a minha tia disse-me que ela se tinha despedido da boneca e que lhe tinha desejado felicidades. A senhora tinha deixado o seu país, vendendo artesanato do Senegal na Cidade Velha, uma cidade que vive essencialmente dos turis

Prosperidade

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Prospect , ainda um cachorrinho "Prospect, for prosperity", foi assim que o meu irmão e a minha cunhada justificaram o nome dado ao cão que faz parte da família há quase um ano. Pertence a uma raça que me causa grandes dissabores quando tento dizê-lo: dachshund . Lá me vão educando sobre as características desta raça, sendo a sexta preferida pelos norte-americanos. Tem um porte um tanto ou quanto felino que contrasta com o seu tamanho pequeno. Olha nos olhos das pessoas e é muito atento, especialmente quando a comida está presente. Se estamos em divisões diferentes da casa, gosta de ir "controlando" onde cada um está, não vá perder um. Agora mesmo, decidiu que queria dar uma soneca. Aproximou-se de mim, saltou para o meu colo e está num sono solto enquanto escrevo estas linhas sobre ele. Nunca fui grande fã de caninos mas este conseguiu cativar-me. Como diz o meu irmão "Ele olha nos olhos das pessoas!". Não há maneira de resistir a esse olhar... Já me aban

Farol

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Farol D. Maria Pia, Santiago, Cabo Verde Para matar saudades, o meu primo Didi enviou-me hoje várias fotografias da ilha de Santiago. Apreciei esta em particular por me ter feito viajar no tempo até aos ensaios que o grupo infantil Korda Kauberdi tinha no farol, sob a batuta do Djonsa "Farol". Não sei bem porquê mas vi-me como uma das cantoras do pequeno grupo. Como não segui carreira .... não preciso entrar em detalhes sobre as minhas qualidades vocais. Igualmente, a ideia que o farol transmite: a procura de uma luz que nos conduza a bom porto e por caminhos certos. Maggs

A partida

Mais uma vez, era chegada a hora da partida. Grande azáfama e o nervosismo que aumentava porque o táxi não chegava para nos levar ao aeroporto. Depois de uma longa espera, apareceu um e o taxista justificando que era a hora do almoço, i.e. das 13h às 14h "é complicado conseguir um táxi"... Colocámos as duas malas no porta-bagagens, a minha tia e a minha mãe instaladas no banco de trás. Mal fechei a porta traseira do carro, o taxista arrancou. Fiquei especada a ver o carro partir, parando uns cinquenta metros à frente. Caminhei para o táxi e o senhor desdobrou-se em pedidos de desculpas porque não tinha percebido que eu também iria viajar. No banco de trás, a minha tia e a minha mãe numa risada alegre. E eu respondi: "Se calhar, eu é que devo ficar." Como iria viajar na SATA até Boston, a partida seria no terminal 2. Não vou tecer grandes comentários sobre o terminal... Ainda parece um estaleiro de obras em algumas partes e eu não compreendo muito bem a sua finalidad

Andorinha di Bolta

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No dia 3 de Maio de 2008, Sãozinha Fonseca apresenta o seu trabalho "Andorinha di Bolta". Sou suspeita para falar sobre a minha cunhada mas tenho a certeza que será um momento único. Pode ser que consiga presenciar...

Ná, Ó Menino Ná...

Sãozinha - Andorinha di Bolta Ná, Ó Menino Ná Ó rosto doce de ojo maguado, Es bo cudado Botal pa traz! Nhor Des ta dano um bida de paz, Ó nha Pecado De ojo maguado! Ná, ó menino ná, Sombra rum fugi de li! Ná, ó menino ná, Dixa nha fijo dormi... Sono de bida, sonho de amor, Ou graça ou dor, Es é nós sorte... Se Deus, más logo, mandano morte, Quem que tem medo Ta morrê cedo. Toma nha ombro, encosta cabeça, Ja’n dabo peto, Amá ragaz! Ó esprito doce, ca bo tem pressa: Deta co geto, Dormi na paz... Eugénio Tavares (1867-1930)

Hora di Bai

Sãozinha - Sãozinha Canta Eugénio Tavares Morna de Despedida Hora de bai, Hora de dor, Ja’n q’ré Pa el ca manchê! De cada bêz Que ‘n ta lembrâ, Ma’n q’ré Ficâ ‘n morrê! Hora de bai, Hora de dor! Amor, Dixa’n chorâ! Corpo catibo, Bá bo que é escrabo! Ó alma bibo, Quem que al lebabo? Se bem é doce, Bai é maguado; Mas, se ca bado, Ca ta birado! Se no morrê Na despedida, Nhor Des na volta Ta dano bida. Dixam chorâ Destino de home: Es dor Que ca tem nome: Dor de crecheu, Dor de sodade De alguem Que’n q’ré, que qu’rem... Eugénio Tavares (1867-1930)

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa. Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe de asa... Se ao menos eu permanecesse aquém... Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído Num baixo mar enganador de espuma; E o grande sonho despertado em bruma, O grande sonho - ó dor! - quase vivido... Quase o amor, quase o triunfo e a chama, Quase o princípio e o fim - quase a expansão... Mas na minh'alma tudo se derrama... Entanto nada foi só ilusão! De tudo houve um começo... e tudo errou... - Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... - Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, Asa que se elançou mas não voou... Momentos de alma que desbaratei... Templos aonde nunca pus um altar... Rios que perdi sem os levar ao mar... Ânsias que foram mas que não fixei... Se me vagueio, encontro só indícios... Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; E mãos de heróis, sem fé, acobardadas, Puseram grades sobre os precipícios... Num ímpeto difuso de quebranto, Tudo encetei e nada possuí... Hoje, d

A minha identidade

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Quanto mais longe me encontro, mais perto me sinto...

Bistidu ku florzinhas

Maria era bunitona , como diziam os rapazes do Plateau . Fêmea negra, de pele luzidia mantida com os óleos que as primas lhe mandavam da Merka . Cabelo crespo, cortado bem rente, fazendo sobressair os olhos negros, o nariz afilado e os lábios carnudos, sempre em vermelho-carmin. Pelos caminhos que percorria, no seu bambolear lento, provocava danos. Os homens quedavam mudos, seguindo com os olhos aquela mulher cheia de vida e de promessas que nunca se cumpriam. As mulheres tentavam mostrar-se indiferentes, desejando que ela caísse finalmente em desgraça. "Essas mulheres acabam sempre da mesma maneira: grávidas de um conquistador fala-barato!". Mas Maria não queria acabar como as outras. A sua determinação crescia sempre que olhava para a figura da mãe que perdera o viço antes de chegar aos trinta e que aos cinquenta era uma mulher envelhecida, amarga, sem sonhos. Sim, ela iria arranjar um bom moço e iriam para a Merka , buscar vida melhor. Ainda na lembrança dos homens e mulhe

Expectativas

Aguarda-se por vivências sonhadas momentos idealizados alegrias partilhadas sentimentos verdadeiros respostas desejadas encontros esperados Aguardo por instantes repletos de coisa nenhuma - Maggs -

Adeus

Chegada a hora da partida Mas não o da despedida. Que logro! A ruptura em cada encontro. Palavras pensadas, mas silenciadas. Olhares esquivos, tão vivos. Sentimentos omissos, ainda que intensos. Chegada a hora da partida. Que seja outrossim o da despedida. - Maggs -

Infância

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O conto "A morte de Ivan Ilitch" foi publicado em 1886, contava Leão Tolstoy 58 anos. Ivan Ilitch, casado e com dois filhos, homem de Leis e com uma carreira irrepreensível na máquina do Estado, vê-se subitamente acometido de uma maleita que rapidamente toma conta do seu corpo, conduzindo-o à morte. Ivan, no seu monólogo interior e quase sempre acompanhado pela dor física lancilante, chega à conclusão que a sua vida tinha sido levada "... como se regularmente tivesse vindo a descer precipitadamente a encosta que julgava trepar!". "E Ivan Ilitch rememorou os minutos mais doces da sua existência. Porém, facto estranho, eles já não lhe pareciam tão felizes como dantes. Só a infância se salvava: só ela valeria a pena ser vivida se a vida regressasse. Ao mesmo tempo, Ivan Ilitch percebia que já não era o mesmo homem, que todas as suas recordações se referiam a outro, e não a ele". "Mal abordava o período que desembocara no seu estado actual, todas as alegr

Uma tarde de chuva

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Jardim Calouste Gulbenkian - 8 de Abril de 2008

Tempo para...

Debaixo do céu há momentos para tudo, e tempo certo para cada coisa: Tempo para nascer e tempo para morrer. Tempo para plantar e tempo para arrancar as plantas. Tempo para matar e tempo para curar. Tempo para destruir e tempo para construir. Tempo para chorar e tempo para rir. Tempo para gemer e tempo para bailar. Tempo para atirar pedras e tempo para recolher pedras. Tempo para abraçar e tempo para se separar. Tempo para ganhar e tempo para perder. Tempo para guardar e tempo para deitar fora. Tempo para rasgar e tempo para coser. Tempo para calar e tempo para falar. Tempo para amar e tempo para odiar. Tempo para a guerra e tempo para a paz. Eclesiastes 3, 1-8

A minha história

Abdico de tudo Das fantasias, em particular A minha alma a apoquentar. Das frases fáceis Ditas, ouvidas e sempre fúteis. Das opções ligeiras As frustrações recalcadas. Viro a página e não abdico Daquela que serei Do mundo onde viverei. - Maggs -

Cântico negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces, Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui"! Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos meus olhos, ironias e cansaços) E cruzo os braços E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre a minha Mãe. Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde, Por que me repetis: "vem por aqui"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho

Exílio (II)

A mala está pronta... Os discos, os livros... A gana de ir além... Na ida, solta-se amarras ganha-se asas. Na volta, O exílio que persevera A estranheza que teima. Idas e voltas... Encontros, na falta Desencontros, na presença. - Maggs -

Mário de Sá Carneiro

Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o outro. Mário de Sá Carneiro (1890-1916)

Uma tarde de sol

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Jardim Calouste Gulbenkian - 4 de Abril de 2008

Entardecer

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Ericeira - 29 de Março de 2008

(Álvaro de Campos)

O que há em mim é sobretudo cansaço - Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço. A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas - Essas e o que falta nelas eternamente -; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço. Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada - Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser... E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, tudo... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimo, íssimo, íssimo, Cansaço... Não, não é cansaço... É uma quanti

Absurdo...

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Um raciocínio absurdo... "Tal como há dias em que, sob o rosto familiar de uma mulher, encontramos como uma estranha aquela a que amamos há meses ou há anos, vamos talvez assim desejar mesmo aquilo que de repente nos torna tão sós. ... esta espessura e esta estranheza do mundo - é o absurdo." "Os homens também segregam algo de inumano. Em certas horas de lucidez, o aspecto mecânico dos seus gestos, a sua pantomima privada de sentido torna estúpido tudo o que os rodeia. ... Esse mal-estar ante a inumanidade do próprio homem, essa queda incalculável ante a imagem daquilo que somos, essa "náusea", como lhe chama um autor [Jean-Paul Sartre] dos nossos dias, é também o absurdo. Também o estranho, que em certos segundos vem ao nosso encontro num espelho, o irmão familiar e apesar disso inquietante que encontramos nas nossas próprias fotografias, é ainda o absurdo." O homem absurdo... "Se amar fosse o bastante, as coisas seriam simples de mais. Quanto mais a

Sem palavras

Não quero falar-vos das minhas mágoas. Tampouco das minhas expectativas. Ou das minhas venturas. Bem maiores, para vós, são as vossas. Sempre, vossas palavras, proferidas das vossas janelas! Sem palavras, sem alardes Aprendamos a escutar O que não se consegue falar. - Maggs -

Trocos...

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Há dias, numa loja, a minha despesa era de €16.80 e entreguei uma nota de €20. A jovem, ao abrir a caixa registadora, começa a dizer "Não, não, não", meneando a cabeça continuamente. Acto contínuo, pensei "a nota é falsa!". Mas esse lamento era somente o prenúncio da cantiga habitual: "Não tem mais pequeno?" "Não tem o dinheiro certo?" "Não tenho trocos!"... Não há maneira de me habituar a esta "chantagem", levando-me muitas vezes a não dirigir-me a determinadas lojas somente para evitar esta lengalenga. Nas minhas primeiras idas à cantina do hospital, em Omaha, fui sempre alerta para a possibilidade de ter de ouvir este carpir mas não me lembro de uma única vez, em qualquer estabelecimento onde tenha pago com dinheiro, ouvir uma queixa por falta de trocos. Se tanto, um olhar surpreso se levasse uma nota "grande" mas com moedas para "facilitar o troco". Será que o cliente tem de estar sujeito a isto? Ser

Barcelona

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Hospital de la Santa Creu i de Sant Pau (Barcelona, Dez.-07) Este hospital, em Barcelona, exerce um enorme fascínio sobre mim. Poderemos dizer que não será um hospital funcional para os dias de hoje, contudo, a sua arquitectura, os seus tijolos vermelhos, as suas árvores espalhadas pelo enorme pátio interior, fazem-nos esquecer que estamos, efectivamente, em ambiente hospitalar - e foi esse o objectivo dos arquitectos do hospital de la Santa Creu i de Sant Pau . Os pavilhões estão organizados por especialidade médica e cada um tem o nome de um santo, estando ligados, igualmente, por túneis subterrâneos. Aqui , a sua história, arquitectura e esculturas.

Simplesmente... livre

Ainda há tantos lugares murmurando o meu nome Em Nada me transformando não me embrenhando neles. Porque insistem em prender-me? invadindo o meu Eu Em Nada me mantendo não me libertando de vós. Anseio partir para esses lugares E, um dia, de livre vontade, Nada serei... Com uma vida simplesmente... livre. - Maggs -

Viagens...

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"Uma folha impressa na nossa língua, um lugar onde à noite tentamos tomar contacto com os homens, permitem-nos imitar, num gesto familiar, o homem que éramos na nossa terra e que, à distância, nos parece tão estranho. Porque o que dá valor à viagem é o medo. Ele destrói em nós uma espécie de cenário interior. ... Viajar tira-nos esse refúgio. Longe dos nossos, da nossa língua, desligados de todos os nossos apoios, privados das nossas máscaras (não se conhecem as tarifas dos eléctricos e é tudo assim), ficamos inteiramente com a nossa aparência. Mas também por sentirmos a alma doente, damos a cada ser, a cada objecto, um valor de milagre. Uma mulher que dança sem pensar, uma garrafa em cima de uma mesa, avistada através de uma cortina: cada imagem se torna um símbolo. A vida parece-nos reflectir-se completamente neles, na medida em que a nossa vida, naquele momento, neles se resume. ... Se a linguagem daquelas terras se harmonizava com o que ressoava profundamente em mim, não era

Dilema

faço, desfaço, e refaço ... os nós de um sentir que me tem cativa. invento emoções recrio sensações ... desejando não sentir o que me tem cativa. - Maggs -

"Pérolas de chuva" (IV)

Jacques Brel - Les bonbons (1967) Je viens rechercher mes bonbons Vois-tu Germaine j'ai eu trop mal Quand tu m'as fait cette réflexion Au sujet de mes cheveux longs C'est la rupture bête et brutale Je viens rechercher mes bonbons Maintenant je suis un autre garçon J'habite à l'hôtel George-V J'ai perdu l'accent bruxellois D'ailleurs plus personne n'a cet accent-là Sauf Brel à la télévision Je viens rechercher mes bonbons Quand père m'agace moi Je lui fais zop Je traite ma mère de névropathe Faut dire que père est vachement bath Alors que mère est un peu snob Mais enfin tout ça hein c'est le conflit des générations Je viens rechercher mes bonbons Et tous les samedis soir que je peux Germaine j'écoute pousser mes cheveux Je fais "glouglou" je fais "miam miam" Je défile criant "Paix au Vietnam" Parce qu'enfin enfin donc j'ai mes opinions Je viens rechercher mes bonbons Oh mais ça c'est votre jeune f

Renúncia

Trouxe-te um livro sobre grandes amores. Trouxe-te um quadro com amantes enlaçados. Trouxe-te uma carta escrita por outrém. Despojei-me dos receios. Desta vez, tão só, trouxe-te a minha pessoa. - Maggs -

"Pérolas de chuva" (III)

Jacques Brel - Les bonbons (1964) Je vous ai apporté des bonbons Parce que les fleurs c'est périssable Puis les bonbons c'est tellement bon Bien que les fleurs soient plus présentables Surtout quand elles sont en boutons Mais je vous ai apporté des bonbons J'espère qu'on pourra se promener Que Madame votre mère ne dira rien On ira voir passer les trains A huit heures moi je vous ramènerai Quel beau dimanche allez pour la saison Je vous ai apporté des bonbons Si vous saviez ce que je suis fier De vous voir pendue à mon bras Les gens me regardent de travers Y en a même qui rient derrière moi Le monde est plein de polissons Je vous ai apporté des bonbons Oh! oui! Germaine est moins bien que vous Oh oui! Germaine elle est moins belle C'est vrai que Germaine a des cheveux roux C'est vrai que Germaine elle est cruelle Ça vous avez mille fois raison Je vous ai apporté des bonbons Et nous voilà sur la grande place Sur le kiosque on joue Mozart Mais dites-moi que c'e

Carta de alforria

Nesta hora escura, - pungente, crua - destemida me torno e me desnudo e me defronto e me reconheço. Nesta hora escura, - serena, doce - apaziguada me encontro e me basto, e me alegro e me revejo. Nesta hora escura, - cristalina, autêntica - sem pejos, declaro que "aprendi a dizer não naqueles instantes que me negaram a mão." - Maggs -

Tempo para o amor - primeiro tempo

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" Três tempos ", Hsiao-hsien Hou (2005) - música "Rain & tears", Aphrodite's Child - De mãos dadas - Recriei-te noutros corpos, nada mais que repositórios das minhas visões sobre ti. Percorri outras terras, crente que saía ao meu encontro sem saber que buscava por ti. Agora que estamos juntos, - de mãos dadas - - os dedos entrelaçados - deixa-me confessar-te que encontrei em ti fragmentos de mim porque em mim estão fragmentos de ti. fragmentos perdidos num dia igual a este feito de chuva e de lágrimas - Maggs -

Hábitos

Por hábito, chamo por ti. Às vezes, com urgência outras, por hábito mesmo. Por hábito, espero por ti. Nesta espera, feita de hábitos, até me esqueço que por ti espero. Por hábito, chamo por ti. Às vezes, com saudades outras, por hábito mesmo. Quiçá, já não sinta a tua ausência neste hábito de sussurar o teu nome, numa prece, numa carícia, numa alegria. Acaso, por hábito, não chamarás tu por mim? - Maggs -

Ousadia

Compramos ilusões, Vivemos frustrações, Hesitamos opções. Insistimos nas emoções - que não são as nossas. Permanecemos nos percursos - que não são os nossos. Nesta nudez crua, mergulhados, sufocados, vazios. Paremos aqui! sejamos autênticos. sejamos impetuosos. sejamos honestos. - Maggs -

Tempos

Porque hesitas Quando é o tempo da ousadia Porque te ocultas Quando é o tempo de te expores Porque questionas Quando é o tempo da acção Porque te negas Quando é o tempo de te assumires Este instante é o teu tempo! - Maggs -

Escavação

Numa ânsia de ter alguma cousa, Divago por mim mesmo a procurar, Desço-me todo, em vão, sem nada achar, E minh'alma perdida não repousa! Nada tendo, decido-me a criar: Brando a espada: sou luz harmoniosa E chama genial que tudo ousa Unicamente à força de sonhar... Mas a vitória fulva esvai-se logo... E cinzas, cinzas só, em vez de fogo... - Onde existo que não existo em mim? ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Um cemitério falso, sem ossadas, Noites d'amor sem bocas esmagadas - Tudo outro espasmo que princípio ou fim... Mário de Sá Carneiro (1890-1916)

"Pérolas de chuva" (II)

Gérard Depardieu, em Cyrano de Bergerac Acto II, Cena VIII (uma parte) CYRANO, LE BRET, LES CADETS, qui se sont attablés à droite et à gauche et auxquels on sert à boire et à manger CYRANO, saluant d'un air goguenard ceux qui sortent sans oser le saluer Messieurs... Messieurs... Messieurs... LE BRET, désolé, redescendant, les bras au ciel Ah ! dans quels jolis draps... CYRANO Oh ! toi ! tu vas grogner ! LE BRET Enfin, tu conviendras Qu'assassiner toujours la chance passagère, Devient exagéré. CYRANO Eh bien oui, j'exagère ! LE BRET, triomphant Ah ! CYRANO Mais pour le principe, et pour l'exemple aussi, Je trouve qu'il est bon d'exagérer ainsi. LE BRET Si tu laissais un peu ton âme mousquetaire, La fortune et la gloire... CYRANO Et que faudrait-il faire ? Chercher un protecteur puissant, prendre un patron, Et comme un lierre obscur qui circonvient un tronc Et s'en fait un tuteur en lui léchant l'écorce, Grimper par ruse au lieu de s'élever par force

"Pérolas de chuva" (I)

Jacques Brel - Ne me quitte pas Ne me quitte pas Il faut oublier Tout peut s'oublier Qui s'enfuit déjà Oublier le temps Des malentendus Et le temps perdu A savoir comment Oublier ces heures Qui tuaient parfois A coups de pourquoi Le coeur du bonheur Ne me quitte pas Moi je t'offrirai Des perles de pluie Venues de pays Où il ne pleut pas Je creuserai la terre Jusqu'après ma mort Pour couvrir ton corps D'or et de lumière Je ferai un domaine Où l'amour sera roi Où l'amour sera loi Où tu seras reine Ne me quitte pas Ne me quitte pas Je t'inventerai Des mots insensés Que tu comprendras Je te parlerai De ces amants là Qui ont vu deux fois Leurs coeurs s'embraser Je te raconterai L'histoire de ce roi Mort de n'avoir pas Pu te rencontrer Ne me quitte pas On a vu souvent Rejaillir le feu D’un ancien volcan Qu'on croyait trop vieux Il est paraît-il Des terres brûlées Donnant plus de blé Qu'un meilleur avril Et quand vient le soir Pour qu'un