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Showing posts from March, 2008

Entardecer

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Ericeira - 29 de Março de 2008

(Álvaro de Campos)

O que há em mim é sobretudo cansaço - Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço. A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas - Essas e o que falta nelas eternamente -; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço. Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada - Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser... E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, tudo... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimo, íssimo, íssimo, Cansaço... Não, não é cansaço... É uma quanti

Absurdo...

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Um raciocínio absurdo... "Tal como há dias em que, sob o rosto familiar de uma mulher, encontramos como uma estranha aquela a que amamos há meses ou há anos, vamos talvez assim desejar mesmo aquilo que de repente nos torna tão sós. ... esta espessura e esta estranheza do mundo - é o absurdo." "Os homens também segregam algo de inumano. Em certas horas de lucidez, o aspecto mecânico dos seus gestos, a sua pantomima privada de sentido torna estúpido tudo o que os rodeia. ... Esse mal-estar ante a inumanidade do próprio homem, essa queda incalculável ante a imagem daquilo que somos, essa "náusea", como lhe chama um autor [Jean-Paul Sartre] dos nossos dias, é também o absurdo. Também o estranho, que em certos segundos vem ao nosso encontro num espelho, o irmão familiar e apesar disso inquietante que encontramos nas nossas próprias fotografias, é ainda o absurdo." O homem absurdo... "Se amar fosse o bastante, as coisas seriam simples de mais. Quanto mais a

Sem palavras

Não quero falar-vos das minhas mágoas. Tampouco das minhas expectativas. Ou das minhas venturas. Bem maiores, para vós, são as vossas. Sempre, vossas palavras, proferidas das vossas janelas! Sem palavras, sem alardes Aprendamos a escutar O que não se consegue falar. - Maggs -

Trocos...

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Há dias, numa loja, a minha despesa era de €16.80 e entreguei uma nota de €20. A jovem, ao abrir a caixa registadora, começa a dizer "Não, não, não", meneando a cabeça continuamente. Acto contínuo, pensei "a nota é falsa!". Mas esse lamento era somente o prenúncio da cantiga habitual: "Não tem mais pequeno?" "Não tem o dinheiro certo?" "Não tenho trocos!"... Não há maneira de me habituar a esta "chantagem", levando-me muitas vezes a não dirigir-me a determinadas lojas somente para evitar esta lengalenga. Nas minhas primeiras idas à cantina do hospital, em Omaha, fui sempre alerta para a possibilidade de ter de ouvir este carpir mas não me lembro de uma única vez, em qualquer estabelecimento onde tenha pago com dinheiro, ouvir uma queixa por falta de trocos. Se tanto, um olhar surpreso se levasse uma nota "grande" mas com moedas para "facilitar o troco". Será que o cliente tem de estar sujeito a isto? Ser

Barcelona

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Hospital de la Santa Creu i de Sant Pau (Barcelona, Dez.-07) Este hospital, em Barcelona, exerce um enorme fascínio sobre mim. Poderemos dizer que não será um hospital funcional para os dias de hoje, contudo, a sua arquitectura, os seus tijolos vermelhos, as suas árvores espalhadas pelo enorme pátio interior, fazem-nos esquecer que estamos, efectivamente, em ambiente hospitalar - e foi esse o objectivo dos arquitectos do hospital de la Santa Creu i de Sant Pau . Os pavilhões estão organizados por especialidade médica e cada um tem o nome de um santo, estando ligados, igualmente, por túneis subterrâneos. Aqui , a sua história, arquitectura e esculturas.

Simplesmente... livre

Ainda há tantos lugares murmurando o meu nome Em Nada me transformando não me embrenhando neles. Porque insistem em prender-me? invadindo o meu Eu Em Nada me mantendo não me libertando de vós. Anseio partir para esses lugares E, um dia, de livre vontade, Nada serei... Com uma vida simplesmente... livre. - Maggs -

Viagens...

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"Uma folha impressa na nossa língua, um lugar onde à noite tentamos tomar contacto com os homens, permitem-nos imitar, num gesto familiar, o homem que éramos na nossa terra e que, à distância, nos parece tão estranho. Porque o que dá valor à viagem é o medo. Ele destrói em nós uma espécie de cenário interior. ... Viajar tira-nos esse refúgio. Longe dos nossos, da nossa língua, desligados de todos os nossos apoios, privados das nossas máscaras (não se conhecem as tarifas dos eléctricos e é tudo assim), ficamos inteiramente com a nossa aparência. Mas também por sentirmos a alma doente, damos a cada ser, a cada objecto, um valor de milagre. Uma mulher que dança sem pensar, uma garrafa em cima de uma mesa, avistada através de uma cortina: cada imagem se torna um símbolo. A vida parece-nos reflectir-se completamente neles, na medida em que a nossa vida, naquele momento, neles se resume. ... Se a linguagem daquelas terras se harmonizava com o que ressoava profundamente em mim, não era

Dilema

faço, desfaço, e refaço ... os nós de um sentir que me tem cativa. invento emoções recrio sensações ... desejando não sentir o que me tem cativa. - Maggs -

"Pérolas de chuva" (IV)

Jacques Brel - Les bonbons (1967) Je viens rechercher mes bonbons Vois-tu Germaine j'ai eu trop mal Quand tu m'as fait cette réflexion Au sujet de mes cheveux longs C'est la rupture bête et brutale Je viens rechercher mes bonbons Maintenant je suis un autre garçon J'habite à l'hôtel George-V J'ai perdu l'accent bruxellois D'ailleurs plus personne n'a cet accent-là Sauf Brel à la télévision Je viens rechercher mes bonbons Quand père m'agace moi Je lui fais zop Je traite ma mère de névropathe Faut dire que père est vachement bath Alors que mère est un peu snob Mais enfin tout ça hein c'est le conflit des générations Je viens rechercher mes bonbons Et tous les samedis soir que je peux Germaine j'écoute pousser mes cheveux Je fais "glouglou" je fais "miam miam" Je défile criant "Paix au Vietnam" Parce qu'enfin enfin donc j'ai mes opinions Je viens rechercher mes bonbons Oh mais ça c'est votre jeune f

Renúncia

Trouxe-te um livro sobre grandes amores. Trouxe-te um quadro com amantes enlaçados. Trouxe-te uma carta escrita por outrém. Despojei-me dos receios. Desta vez, tão só, trouxe-te a minha pessoa. - Maggs -

"Pérolas de chuva" (III)

Jacques Brel - Les bonbons (1964) Je vous ai apporté des bonbons Parce que les fleurs c'est périssable Puis les bonbons c'est tellement bon Bien que les fleurs soient plus présentables Surtout quand elles sont en boutons Mais je vous ai apporté des bonbons J'espère qu'on pourra se promener Que Madame votre mère ne dira rien On ira voir passer les trains A huit heures moi je vous ramènerai Quel beau dimanche allez pour la saison Je vous ai apporté des bonbons Si vous saviez ce que je suis fier De vous voir pendue à mon bras Les gens me regardent de travers Y en a même qui rient derrière moi Le monde est plein de polissons Je vous ai apporté des bonbons Oh! oui! Germaine est moins bien que vous Oh oui! Germaine elle est moins belle C'est vrai que Germaine a des cheveux roux C'est vrai que Germaine elle est cruelle Ça vous avez mille fois raison Je vous ai apporté des bonbons Et nous voilà sur la grande place Sur le kiosque on joue Mozart Mais dites-moi que c'e

Carta de alforria

Nesta hora escura, - pungente, crua - destemida me torno e me desnudo e me defronto e me reconheço. Nesta hora escura, - serena, doce - apaziguada me encontro e me basto, e me alegro e me revejo. Nesta hora escura, - cristalina, autêntica - sem pejos, declaro que "aprendi a dizer não naqueles instantes que me negaram a mão." - Maggs -

Tempo para o amor - primeiro tempo

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" Três tempos ", Hsiao-hsien Hou (2005) - música "Rain & tears", Aphrodite's Child - De mãos dadas - Recriei-te noutros corpos, nada mais que repositórios das minhas visões sobre ti. Percorri outras terras, crente que saía ao meu encontro sem saber que buscava por ti. Agora que estamos juntos, - de mãos dadas - - os dedos entrelaçados - deixa-me confessar-te que encontrei em ti fragmentos de mim porque em mim estão fragmentos de ti. fragmentos perdidos num dia igual a este feito de chuva e de lágrimas - Maggs -