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Showing posts from 2007

Ano Novo

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Brancas margaridas hoje, outra cor não podia ser. Brancas margaridas hoje, trouxe-as na mão direita. Brancas margaridas hoje, especialmente hoje tinham de ser estas e não outras. Brancas margaridas para receber o Ano Novo. - Maggs -

"It's all about connections..."

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O meu Honda Civic - ano de colheita: 1998 No dia 20 de Novembro de 2007, tornei-me proprietária de um Honda Civic. Nos quatro dias que andámos juntos, provavelmente, ele viveu mais emoções do que nos nove anos de convivência com o dono anterior. E algo me diz que ele se sente bem confortável e seguro na garagem, não ansiando pela minha chegada. No dia 1 de Dezembro, logo cedo fomos ao stand de automóveis colocar a matrícula definitiva. Saímos de lá, orgulhosos, no mínimo. Após um pequeno-almoço no café Caribou (com internet grátis, visto ainda não ter internet em casa), fomos ao supermercado e regressámos a casa. Depois do almoço, fomos ao centro comercial porque precisava de chaves de fenda para montar uma mesa. Quando saí do centro comercial e aproximei-me dele, notei que o pneu dianteiro do lado direito estava nitidamente em baixo. Bem devagarinho, regressámos a casa e telefonei ao meu amigo Said - o Said é um taxista que me "adoptou" porque ele sabe o que é "estar em

Partilha

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Cozinha do apartamento no Museu Casa Milà, projectado por Gaudí (Barcelona, Dez.-07) Para a Miss Curls, pelo energy boost À mesa, partilhámos a vida, já vivida. Os sonhos, ainda por viver, por partilhar. À mesa, sonhámos a vida, por viver, os sorrisos, por partilhar. À mesa, sorrimos pela partilha sentida, pela vida, já vivida. - Maggs -

Perguntar ao verbo

O professor Manso Gigante foi o meu professor de Português no 8.º e 9.º anos, no Externato Júlio César, na Pontinha. Na minha memória, a sua postura distinta e um sorriso sarcástico nos lábios. Quando ele foi meu professor, já tinha atingido uma idade que justificava o sorriso zombeteiro, quase constante, nos lábios. No Externato, os alunos esperavam pelo professor na sala, de pé, e só se sentavam depois da indicação do professor. Por isso, lembro-me do professor Manso Gigante a entrar na sala de aulas, de fato, com um exemplar da obra em análise, o livro dos sumários e um caderno pessoal. Ficava sentado a aula inteira, com os dedos entrelaçados sobre a mesa, olhar penetrante. Nesses dois anos, a língua portuguesa deve ter sido a disciplina mais estudada por mim porque cada aula era um autêntico exame - era exposta à turma, praticamente em todas as aulas. Aprendi a desnudar as frases, perguntando ao verbo: "o quê? a quem?" para saber os complementos directo e indirecto. Apren

Pacífico, meu tormento...

Ao desembarcar no cais, não podia, não queria acreditar no que estava vendo. Homens armados, com o olhar de quem sabe o que está a fazer, sem, na verdade, o saber. Mal recebem uma notificação, dizendo que precisavam defender a pátria, lá se iam orgulhosos... Chamo-me John. Sou jornalista do jornal americano Sun e, neste momento, sou correspondente de guerra no Pacífico. Meu Deus, se os trouxesse aqui para verem no que se transformou Hong-Kong... Talvez não acreditassem! Numa cidade sinistra, onde as barricadas impõem a sua trágica presença! Onde estão os gritos, a algazarra feliz das crianças?! Numa palavra ou expressão, onde está a beleza que tanto apreciei há 5 anos quando vim fazer a minha primeira reportagem no Oriente?... Hong-Kong, colónia britânica, no seio da 2ª Guerra Mundial, servindo de joguete entre potências que, por um lado querem subjugá-la e anexá-la a um grande império, o Japão, e, por outro lado, pretendem mantê-la como uma colónia importante no comércio e tráfico de

Guardião

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Pórtico da propriedade Guell, projectada por Gaudí (Barcelona, Dez.-07) Na imponência do dragão, o reflexo dos teus receios. Algoz, guardião, na medida dos teus arrojos. Para lá do pórtico, guardião da tua essência, - acaso oprimam a tua alma. guardião da tua liberdade, - porventura te enclausurem. Guardião, nunca carrasco! - Maggs -

Festim

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Cozinha do apartamento no Museu Casa Milà, projectado por Gaudí (Barcelona, Dez.-07) O fogão, cozinhando os sabores. O cheiro, conquistando os espaços. O calor, aquecendo os corações. O festim, a alegria do reencontro. - Maggs -

Regaço

Os meus braços, as tuas muralhas. O meu peito, o teu castelo. O meu regaço, o teu refúgio. - confessou-me o teu olhar. Os nossos desencontros, a nossa reunião. Os nossos receios, a nossa audácia. Os nossos adiamentos, a nossa ocasião. - revelou-me o teu sorriso. "Meu amor, estou aqui. Há refúgio no meu regaço". - a tua voz, no meu sonho de ontem. - Maggs -

Tempos difíceis

Violentando o íntimo. Descaracterizando a natureza. Desacreditando os ideais. Lágrimas, deslizando, morrendo nos lábios hirtos, deixando um sabor amargo na boca. Olhar baço, mãos inertes, ombros recolhidos. Foram tempos difíceis. Perdi-me, mas encontrei-me, na desarrumação das emoções. Perdi-te, ainda não te encontrei. - Maggs - (Omaha, 10 de Novembro de 2007)

Entardecer

No entardecer deste amor, não quero falar de amor. Ao longe, observo-me. Sentada, abraçando-me, não podendo falar de amor. As minhas mãos, vazias. Os meus olhos, secos. Em mim, a incredulidade, não conseguindo falar de amor. No entardecer deste amor, quero dizer-te que quero falar de amor novamente. - Maggs - (Omaha, 10 de Novembro de 2007)

Recanto

Já te falei daquele recanto onde tudo é possível? Basta acreditares em ti. - Maggs - (Omaha, 10 de Novembro de 2007 publicado no Jornal Artiletra, Nov.-Dez. 2007)

Vozes

De mansinho, vem para junto de mim. Por este caminho, tenta não causar distúrbios. Não vamos desassossegar as outras vozes - que te desassossegam -. Acredita no que te digo - não no que as outras vozes te dizem -. Não tenhas receio de voar. - Maggs -

Choro silencioso

- Porque choras? As lágrimas deslizavam suavemente pela face. Não era um choro convulsivo. Na verdade, nem sentia que estivesse a chorar. As lágrimas caíam, discretamente, desaguando nos lábios, deixando-lhe com um sabor a mar na boca. - Porque me afastas de ti? Recostou-se no sofá, abraçando-se. Como explicar-lhe que a vida tinha-lhe ensinado a apoiar-se em si própria? Como dizer-lhe que sabia que cada pessoa era um mundo e que, provavelmente, quando verdadeiramente precisasse ouvir uma voz amiga, essa voz não surgiria. Abriu os olhos, sorriu e disse: - Estou bem. Não estou a chorar. São lágrimas de apaziguamento. O encanto acabou. Estava sozinha na sala. Limpou as lágrimas com as mãos e levantou-se decidida. Caminhou até à janela e ficou a observar as árvores. "O Inverno está a chegar." pensou. "Vou sentir saudades de ver estas árvores com flores, cheias de vida. Agora é o tempo do recolhimento". O telefone tocou. Era uma voz amiga. - Maggs -

À procura

Sôfrega, procuro na multidão, não um rosto conhecido não um sorriso cúmplice não um olhar compreensivo mas vestígios da solidão que em mim vivem. Talvez, assim... não me sinta só, com a solidão por companhia. - Maggs -

Opções

Mergulhada nas profundezas, é onde quero permanecer. A superfície, não me bastando. Para além do que a vista alcança, é onde quero perscrutar. A proximidade, não me saciando. Em transformação permanente, é como quero viver. - Maggs -

Antecipação dos rituais de celebração

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Desde que aqui cheguei tento manter-me a par dos " rituais de celebração " mas torna-se difícil acompanhar o ritmo americano. Consigo depreender a vinda de um ritual de celebração através dos objectos colocados na montra de uma das lojas dos amigos do hospital, que fica mesmo ao lado do elevador que me leva ao departamento de radioterapia. Ainda o Inverno se encontrava bem instalado e sem vontade de ceder à Primavera, a montra mostrava-me objectos alusivos à chegada da estação das flores. Em particular, uma tabuleta de cores bonitas com a seguinte frase: "A Primavera chegou!" Sempre que lia essa frase, sentia uma grande angústia e um dia vi-me tentada a entrar na loja e perguntar à menina onde é que parava a Primavera porque eu continuava a ver neve por toda a parte! Em pleno Agosto, o oposto acontece: a montra reveste-se em tons outonais e começam a celebrar o dia das Bruxas. Antes do dia 1 de Novembro, já tinha começado a antecipação do ritual "Acção de Graç

Véu

Estranhamente me transformo me transcendo mas não me estranho. O que resta agora? As minhas dores - que são as minhas. As tuas dores - que são as tuas. Efectivamente apartados desconhecidos mas não o estranho. O que dizer? as nossas fragilidades expostas ao cair do véu as nossas incompreensões evidentes nesta nudez crua. Claramente me transformei me transcendi liberta me sentindo. O que fazer? Partir, sem hesitações. Porque hesitante tens sido tu. - Maggs -

(Des)arranjo musical

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Orquestra Sinfónica do n.º 608 de uma rua de Omaha As janelas do meu quarto e da minha sala estão mesmo defronte desta orquestra que me proporciona momentos musicais praticamente 24h/24h. Obviamente, dou por mim à espera dos momentos de pausa musical porque não faz o meu estilo este género musical. Talvez por não apreciar este género, o instrumentista mais afoito está posicionado mesmo ao lado da janela do meu quarto. Um dia, fui investigar o "dono" deste instrumentista e descobri que pertencia ao meu vizinho do lado. Se tivesse matutado um pouco mais, nem teria valido a pena invadir o espaço da orquestra porque o meu vizinho gosta de fazer coro e presentea-me com umas gargalhadas bem agudas, em sintonia perfeita com o som difundido pela orquestra. Há cerca de dois meses, houve uma nova aquisição - o meu vizinho de cima. Esse deve pensar que os instrumentistas pertencem a uma banda militar porque as suas passadas lembram-me a marcha dos militares para além de fazer com que t

Guerra & Paz

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Sergei Bondarchuk realizou a " versão russa " de Guerra & Paz, em 1968. Em 1956, a " versão americana " tinha aparecido, sob a direcção de King Vidor. A versão russa acompanha-me sempre, tendo escrito " Valsa " com as imagens do filme a povoarem a minha imaginação. Esta obra cinematográfica tem a capacidade de colocar em tela os pensamentos de personagens fulcrais da obra, nada mais sendo do que as inquietações do próprio Leão Tolstoy. Aos catorze anos, vi as versões russa e americana na televisão portuguesa. De seguida, li a obra. Desde essa altura, já perdi a conta do número de vezes que reli Guerra & Paz. Quando vivi em Inglaterra, tive a oportunidade de comprar em VHS a versão russa. Como estes personagens estão aqui comigo tão presentes, sinto que quando estiver em Lisboa, vou ter de rever esta versão russa. Na versão americana, Peter Fonta faz de Pedro Bezukov. Mas, Pedro é um homem corpulento que não sabe o que há-de fazer com o seu corpo, c

(Re)aprendizagem do amor

Desaprendendo os afectos, o vazio por companhia na visita da solidão. Chegará o tempo para a (re)aprendizagem do amor igualmente a aprendizagem das suas nuances claramente a sua natureza se revelando - nada mais do que uma necessidade egoísta. - Maggs -

Valsa

Ao fundo, o som dos violinos. No salão, dançando Andrei e Natacha. Na varanda, sorrindo e sonhando Pedro Bezukov. No jardim, valsando e rindo é onde me encontrarão. - Maggs -

Dualidade

Penetrante é o teu olhar, terno se tornando, ao me veres acabrunhada. Estendes a tua mão, o meu queixo levantando, os nossos olhares se encontrando. Sorris. Sorrio. O espelho mostrando alguém que (re)conheço mas que se esconde em mim ... teimosamente. - Maggs -

Renascer

As mãos, em concha, a água fria jorrando, a face refrescada, a sede saciada. Meu amor, não sentes que já não há amarras? que navego por outros mares? Meu amor, não notas que já não estou mais por perto? que ganhei asas e sobrevôo outros céus? A sede voltará, decerto. Mas não de ti. - Maggs -

Em mudança

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Ainda em Omaha... mas com o pensamento em duas cidades que começam pela letra 'D': Detroit, onde irei trabalhar e Dearborn, onde irei viver. As duas cidades, vizinhas uma da outra, estão no estado do Michigan. De Detroit, pode-se chegar ao Canadá, atravessando uma ponte e chegando à cidade de Windsor. Em Dearborn, cidade onde está a sede mundial da empresa automóvel Ford, encontra-se uma grande comunidade de pessoas do Médio Oriente. No meu futuro local de trabalho, há árabes (libaneses, egípcio), um judeu. Também há um russo, chineses, indiano... claro... americanos. Vai ser muito enriquecedor viver e trabalhar num ambiente multi-cultural. Haverá tanto para aprender e apreender. - Maggs - _____________________________ Até finais de Novembro, este blog estará em modo intermitente. A mudança é sempre um misto de descoberta e de ansiedade.

Welcome to Detroit

Deixámos Omaha numa tarde cinzenta mas o sol brilhava quando aterrámos no aeroporto internacional de Detroit. Apanhámos um pequeno autocarro para podermos ir buscar o carro alugado. O motorista, senhor dos seus sessenta anos, olhar vivo e curioso, ajudou-nos a colocar a bagagem no autocarro e partimos. Éramos só dois passageiros - o meu chefe e eu. O motorista iniciou a conversa com a pergunta que ele devia repetir vezes sem conta no dia: "De onde vêm?" A resposta do meu chefe levou a que eles falassem sobre o futebol americano e eu calada permaneci. A conversa ía animada entre os dois discutindo futebol, falando sobre as diferenças entre Omaha e Detroit quando o meu chefe esclareceu que nós não éramos de Nebraska e que eu até era de Portugal. O motorista diz em inglês: "A única frase que sei em português é" - e diz em português - "Não sei falar português." Eu fiquei surpreendida, gargalhei e dei-lhe os parabéns. O meu chefe ficou igualmente impressionado.

Escândalo na cantina

Pedi ao meu amigo Jeffrey uma salada do dia com camarões picantes. A perspectiva de comer camarões picantes aliciara-me. Com o papel do pedido, dirigi-me à menina da caixa, fiz o pagamento, aguardando depois que me chamassem. Algum tempo depois ouvi uma voz da cozinha dizendo: "qual é o molho?" A menina da caixa olhou para mim, sorrindo e perguntou-me: "qual é o molho?" Respondi: "Não quero molho." Ela abriu um pouco os olhos, não comentou e voltou-se para a cozinha: "Ela não quer molho." Da cozinha: "Ela não quer molho?!" A menina, sempre de sorriso nos lábios mas agora com um olhar interrogativo: "Tem a certeza?" E inumerou a lista dos molhos que eu nem me preocupei em compreender os nomes ou mesmo escolher. Sorri de volta, agradeci e disse-lhe que não queria molho. O senhor que costuma entregar as refeições, abanando sempre a cabeça, olhou para mim: "Não quer mesmo molho nenhum?" E depois disse como se tivesse ti

Concha

Ainda a noite reinava, e a lua brilhava, quando bati à tua porta. Vim para te dizer que parti. Parti, não me quedando mais aqui. Aqui, onde julgas que és e nada és. Nada és, na concha perseverando. Ora o dia surge e o sol brilha, e o mundo é mais que esta concha. - Maggs -

Miragens

Estas vozes, dissonantes ecoando neste vazio. Estas mãos, desnorteadas tacteando um sentido para este vazio. Estas miragens, incontáveis apropriando-se de mim, criando este vazio. Estas miragens, infindas nada mais que sensações não vividas de ilusões. - Maggs -

O Homem e a natureza

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Leão Tolstoy, em Yasnaya Polyana No dia em que o Nobel da Paz foi para as alterações climáticas "Centenas de milhar de seres humanos tentavam por todos os meios ao seu alcance destruir a terra em que viviam amontoados. Contudo, a despeito de se encarniçarem contra o solo - quer cobrindo-o de pedras para que nada germinasse, quer arrancando as ervas e derrubando as árvores, na ânsia de apagarem o mais pequeno sinal de vegetação, quer ainda escorraçando as aves e os outros animais e saturando a atmosfera com o fumo do carvão e do petróleo -, a Primavera nem mesmo na cidade deixava de impor os seus direitos. Com efeito, o Sol brilhava ardentemente, a erva voltava a crescer - tanto onde fora arrancada, como por entre as pedras das ruas -, os jardins cobriam-se de espessos tapetes de verdura, os vidoeiros, os álamos e as cerejeiras enchiam-se de folhas tenras e fragrantes, as tílias floresciam, as gralhas, os pardais e os pombos construíam alegremente os seus ninhos e as abelhas e as

Vacina contra a gripe

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Ainda a decidir se o dia seria dedicado aos electrões ou aos fotões, oiço a voz de uma das auxiliares de acção médica a apregoar que hoje iria haver vacinação contra a gripe para as pessoas do departamento. Como a minha imaginação gosta de me pregar partidas, comecei a rir-me porque o tom da voz dela e a forma como ela ía passando pelas salas e corredores a repetir a mesma frase, lembrou-me a imagem dos meninos que vendem os jornais, gritando "EXTRA! EXTRA!" Deixei a física de parte e lá fui tomar a vacina. O local da vacinação foi no próprio departamento, na sala de reuniões. Duas enfermeiras do nosso departamento encarregaram-se disso e cadeiras foram colocadas à porta da sala, para nosso conforto, à medida que preenchíamos um questionário. Também havia rebuçados... O questionário lá me fazia a pergunta-tabu: qual era o meu número de segurança social! Recebi tantos avisos sobre a importância de eu proteger esse número de olhares alheios e de como a saúde das minhas finanças

Harmonia...

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""A palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro. O homem nada pode possuir enquanto temer a morte. Só quem não teme a morte é senhor de tudo. Se a dor não existisse, o homem não conheceria os seus limites, não se conheceria a si mesmo. Nada mais difícil", pensava ele, continuando a sonhar, "que cada um saber reunir na sua própria alma o significado de todas as coisas. Reunir tudo? Não, não é essa a palavra. Não é possível unir toda as ideias, mas, sim, pô-las de acordo !", repetia, com uma espécie de entusiasmo interior, como se sentisse que essas palavras, e só elas, exprimiam perfeitamente o que ele queria dizer, resolvendo a questão que o atormentava. "Sim, é preciso pô-las de acordo, é tempo de harmonizar as coisas." in Guerra & Paz ____________ Retrato do conde Leão Tolstoy - óleo sobre tela por Mikhail Nesterov.

Partida

Não sei... pressinto que já parti. Porventura, parti há muito tempo mas não me dei conta. Hoje, o espelho mostrou-me outra pessoa. Foi aí que me dei conta que já tinha partido. Decerto, parti há muito tempo mas não me dei conta. Não posso continuar aonde não estou. Principalmente, porque tu é que nunca estiveste aqui. - Maggs -

A caminhada

Para os meus pais Para a Arega & Cª Inspirou vagarosamente. Não havia pressa. Não agora que tinha chegado aonde queria. Expirou, no mesmo ritmo, enquanto o olhar, na mesma cadência respiratória, percorria a paisagem que se desnudava perante ela. Era a natureza que se despia ou era ela que entrava na sua intimidade? Devagarinho, baixou-se e sentou-se no chão, sentindo-se inebriada com o cheiro da terra-mãe, prenhe de vida. Sorriu, ao notar o estado das solas das suas botas. Estavam gastas! Que longa caminhada tinha sido essa! Olhou para as suas mãos, tentando apreender a sua vida, o seu percurso até esse momento. Por força da imaginação, essas mãos transformaram-se nas mãos de uma menina: "Em criança, o que é que eu queria ser quando fosse grande?" "Sou o que sonhei para mim? Sei que pedi a mim própria estar sempre em transformação - nem que fosse na minha imaginação ou através dela. Não posso parar porque há ainda tanto para ver, para experimentar, para sentir...&quo

Tranquilidade

Feitas as escolhas encaixaram-se as peças. Ligeiro se tornou o caminho. Infinito se tornou o querer. As incertezas, porque as há, fortalecendo as outras certezas, que são as convicções. Feitas estas escolhas, estas aqui, não outras; hesitações não poderiam existir ao entrar por este caminho e não por outro. - Maggs -

Deixar Omaha

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Baixa de Omaha No dia 13 de Janeiro de 2007, cheguei a Omaha com duas malas e uma mochila às costas. No aeroporto, o meu chefe à minha espera com um papel com o meu nome e aqui descrevi o meu deslumbramento com a neve que na altura caía... Na semana passada, entreguei a minha carta de demissão e deixarei Omaha em finais de Novembro. Estou de partida para um outro estado, uma outra cidade, seguindo o meu chefe, procurando novos desafios. Confesso que me vou embora sem ter conhecido verdadeiramente a cidade. Não o fiz, por falta de entusiasmo, de curiosidade e de algum espírito de aventura. De Omaha, conheço três supermercados, dois centros comerciais, a baixa da cidade - o meu local preferido -, o hospital onde trabalho e o sítio onde vivo.... Também conheço o jardim botânico de Omaha, onde roubei a alma a um hibisco vermelho . Tento fazer um balanço destes praticamente dez meses que vou passar aqui e sinto que ficará a lembrança de pessoas muito afáveis. Cruzo na rua com pessoas que m

Amanhecer em NY

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vista do 31º andar do Millennium UN Hotel Oiço, frequentemente, dizer que "Deus escreve direito por linhas tortas". Também já ouvi a expressão "Quem desdenha quer comprar". Depois de um fim de semana em NY, começo a acreditar que o meu "exílio" em Omaha deve-se ao facto de um dia ter desdenhado a cidade que nunca dorme. Passei cerca de cinco horas de uma noite do mês de Abril de 2003 na Little Italy , com um grupo de colegas. Estávamos num workshop em Filadélfia e decidimos ir jantar a NY. Provavelmente, por estar saturada de metrópoles, onde muitas vezes se torna impossível ouvirmo-nos a pensar, odiei a experiência. Odiei aquele alcatrão, o cimento, as ruas sujas, a multidão. O que dizer deste fim de semana em NY? Qual pessoa que esteve desterrada num lugar inóspito, senti uma alegria imensa com aquele rebuliço e nem a agressidade da condução automóvel me irritou. Que prazer caminhar por ruas cheias de pessoas - cheias de histórias pessoais -. Ouvir exce

A dança da vida

Peguei naquele vestido. Naquele especial. Único. Rindo e brincando com as ondas, descalça, na areia molhada. Rodopiando, sem fim Flutuando, com alegria chegando ao meu âmago transportada por brancas nuvens. Onde não há hesitações, não há contradições, somente um longo maravilhamento por sentir a vida a irromper em mim. - Maggs -

Curiosidades... (III)

Estou a pensar seriamente em montar uma empresa que faça cartões de visita. Onde costumo ir almoçar, o espaço está dividido em duas partes: uma para os "pobres" que ou levam comida de casa ou vão ao bar e outra para os "ricos" que ficam à parte e que têm direito a empregado de mesa, toalha e guardanapo de pano. Mas, os "ricos" comem o mesmo que os "pobres" que frequentam o bar. A comida é a mesma, contudo em vez de serem servidos em pratos e talheres de plástico, eles podem degustar o almoço com pratos e talheres à séria. Hoje, ao almoço, observei um grupo de seis homens à porta da secção dos "ricos", à espera de serem conduzidos a uma mesa. Eles abriram as suas caixas de cartões de visita e começaram a trocar entre eles os cartões, tal como as crianças fazem quando estão a trocar cromos. Ou seja, antes de "quebrarem o gelo" com aquela conversa de circunstância, começaram logo a trocar os cartões não fosse o negócio correr mal

Ponte

Devagarinho, de mansinho, uma pedra a seguir outra e outra outra... Peço a ti, a mim, a nós não sejamos irreflectidos. Há tempo para admirar o que nos rodeia amadurecer os sentimentos apreciar a chegada do momento. Porque vai valer a pena quando nos encontrarmos a meio da ponte. - Maggs -

Curiosidades... (II)

O telemóvel é praticamente um bem de primeira necessidade aqui. E observo com espanto que o uso do telemóvel sem recurso ao modo altifalante ou algo parecido durante a condução é prática corrente. Não me parecem preocupados nem com a possibilidade de um acidente por distracção nem com a conta telefónica. Estando "mal habituada" aos padrões europeus (e penso que não seja só na Europa) onde só pago pelas chamadas que efectuo e pelas mensagens escritas que envio, não considerando o roaming , ando "nervosa" com a utilização do meu telemóvel aqui. Aqui, paga-se pela chamada que se faz, pela chamada que se recebe, pela mensagem que se envia e pela mensagem que se recebe. Por isso, só atendo as chamadas das pessoas que consigo identificar mas fico frustrada por receber mensagens de pessoas que não conheço e pagar por uma informação que não me diz respeito, tal como uma que recebi de um homem a dizer à namorada/mulher que se tinha demitido mas que o seguro de saúde para a c

Curiosidades... (I)

Ao habitual aviso de "proibido fumar" à entrada dos edifícios, pelo menos aqui em Omaha junta-se um outro... o desenho de uma arma de fogo e o símbolo de proibido por cima... Para mim, o mais caricato foi ver esse aviso de proibição de porte de arma de fogo à entrada do parque de estacionamento de uma grande empresa de produtos alimentares, na baixa da cidade. Lembrei-me logo dos filmes de cowboys onde eles eram obrigados a deixar as armas antes de entrarem no saloon . Consigo até imaginar uma pessoa a deixar a arma à porta do parque a um marshal imaginário... - Maggs -

Fome de viver

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"Anseio abarcar, incluir na minha vida curta, tudo o que é acessível ao homem. Anseio falar, ler, manejar um martelo numa grande fábrica, ser vigia no mar, arar. Quero andar pela avenida Nevsky [em S. Petersburgo], ou nos campos abertos, ou nos oceanos - onde quer que a minha imaginação se estenda." Anton Tchekov Anton Tchekov e Leão Tolstoy, em Ialta, Crimeia

Avidez

Há um pulsar insistente aflitivo, muitas vezes. Há uma voz várias vozes, na verdade em uníssono em desacordo, muitas vezes. Há uma vontade, permanente, hesitante, poucas vezes. Há tanta comoção. Há tanta contradição. Há tanta determinação. É simples: Há sofreguidão de viver! - Maggs -

As cores

Sussuram por aí que o céu é azul que o mar também é azul. Há vermelho no céu. Há verde no mar. Há uma infinidade de tons nesta vida que se desenrola, nada mais sendo do que cambiantes do nosso estado de alma. - Maggs -

Sonhando...

Com uma casa à beira-mar, de janelas abertas de par em par. Com o cheio a maresia, de presença constante. Com longas caminhadas, de pés molhados. Com as ondas brincando com as crianças de gargalhadas encantadoras. - Maggs -

Exílio

Estranho-me nesta cidade que me é estranha. O andar, desajeitado se encontra. As mãos, vazias se quedam. O olhar, ausente se fica. O chão, estéril se tornando à minha passagem. Harmonia, no recolhimento, aprendendo a viver na multitude dos eus igualmente na expectativa do reencontro. O chão, fértil se tornando à minha passagem. Esta cidade tornando-se suportável, mesmo aprazível. - Maggs -

Amizade

Tantos amigos! Tantos sorrisos em espontâneas gargalhadas se soltando. Tantos olhares que são ternos, que são firmes, também circunspectos, se revelando. Tantos abraços que ainda os sinto à minha volta, se quedando. Tantas saudades e tantos amigos! - Maggs -

António Aurélio Gonçalves

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Não o fiz de propósito mas parece que o fiz em boa hora. António Aurélio Gonçalves, conhecido por Nhô Roque, nasceu no dia 25 de Setembro de 1901, na cidade do Mindelo, em S. Vicente, Cabo Verde. Faleceu a 30 de Setembro de 1984. Os estudiosos poderão falar das suas obras (em Portugal, Noite de Vento e Terra de Promissão estão disponíveis através da editora Caminho), os ex-alunos como ele era como pedagogo. A Maggyzinha fala da terna lembrança de um homem de presença suave e agradável e de um sorriso discreto nos lábios. - Maggs -

Rua do Nhô Roque

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D. Bia era uma "senhora honrada", tal como ela fazia questão de frisar, empertigando o corpo pequeno, delgado e levantando ligeiramente o queixo. "Senhora honrada", dizíamos, porque "honradamente criei os meus seis filhos, ensinando-lhes a serem homens e mulheres honrados!" Costureira de profissão, "desde que me entendo por gente.", repetia às clientes enquanto lhes fazia a prova da roupa. Ainda criança, mostrara aptidão para a costura e a mãe, aliviada, encaminhara-a para aprendiz de costureira. Era menos uma preocupação saber que uma das filhas estava orientada com uma profissão. E D. Bia, de forma determinada e persistente, criou a sua reputação. Trabalhava em casa e quando lhe pediam a direcção, dizia "Conhece a rua do Nhô Roque? Ao chegar lá, pergunte pela casa da D. Bia que toda a gente me conhece nessa rua." O quarto de costura da D. Bia dava para a rua do Nhô Roque e quando estava a trabalhar, as persianas de madeira da janela

Presença

Ainda a noite majestosa igualmente imperturbável dava lugar ao dia brilhante igualmente irrequieto já eu estava pronta para entrar pelo teu sono sorrateira igualmente resoluta e acompanhar-te pelo teu dia. Não é isso que me tens feito desde que nos apartámos? - Maggs -

Quiçá (II)

Entreaberta esta porta quiçá, ainda estranhos um do outro, hesitemos. quiçá, ainda sôfregos um do outro, ousemos. Porque esta chave foi encontrada Porque esta porta foi entreaberta sejamos corajosos e vivamos esta história. - Maggs -

Como um rio...

Tantas saudades nesta ausência nesta distância também na tua presença. Tantas saudades no encontro a separação tornando-se iminente. Tantas saudades saciadas em tempo algum quando o nosso tempo chegar. Porque são estas saudades que me fazem desaguar em ti, nesta ausência nesta distância também na tua presença. - Maggs -

Nha fidjo matcho

Lá vai ele. Tão novo e com tantas responsabilidades. Os calções vão escorregando à medida que ele caminha e ele, de modo automático, puxa-os para cima com a mão esquerda porque com a mão direita vai conduzindo o seu carro de lata. Deixai-o viver a sua infância. Não haverá tempo para uma criança se tornar adulta? Mas, basta estarmos vivos para estarmos sujeitos à adversidade... Santiago regressava a casa depois de uma tarde com os amigos a jogar à bola. Também tinham feito um concurso de melhor carro de lata do mundo e o seu tinha ficado em segundo lugar. Ele sabia que para a próxima conseguiria o primeiro lugar porque ía pedir à mãe para comprar latas de azeite da marca X. É que essas latas tinham maior maleabilidade. Os planos já estavam todos feitos... E lá puxava ele os calções com a mão esquerda, enquanto a mão direita puxava o seu carro de lata, com uma carica como medalha de um honroso segundo lugar. Ao entrar em casa pela porta da cozinha, pronto para gritar a plenos pulmões qu

Menina-moça-mulher

Peço-te, mantém-te imóvel um pouco mais. Se puderes, se quiseres... Peço-te, mantém-te imóvel um pouco mais. Por um instante, por uma eternidade. Como entenderes... Peço-te, prolonga um pouco mais esse sorriso que é meigo, que é sensual, esse olhar que é vivo, que é apaixonado. És menina-moça-mulher com esse sorriso, com esse olhar. - Enganaste-me tão bem com essa carinha de santa - Peço-te, mantém-te imóvel um pouco mais. Quero guardar esse sorriso esse olhar que são tão intensos... Serás sempre minha mas sei que preciso deixar-te partir. - Maggs -

Quiçá (I)

A porta fechada, trancada. A chave escondida, olvidada. Quiçá, de dia acanhados, inibidos, não ousemos. Quiçá, de noite desprotegidos, autênticos, não hesitemos. Porque esta chave precisa ser encontrada. Porque esta porta precisa ser aberta. Porque esta história precisa ser vivida. - Maggs -

(Re)encontro

Estes grilhões que me prendem Estas correntes que me sufocam hão-de desaparecer. Nesse dia - que chegará certamente - entrarei nessa barca que, por mim, implora incessantemente navegarei destemidamente chegarei infalivelmente os pés na areia molhada e alegremente seguirei ao meu (re)encontro. - Maggs -

Beijo

No enamoramento, estremeceu, ruborizou. Na face, o beijo atrevido. No ar, a gargalhada cristalina. Na saudade, dormia, sonhava. Na face, o beijo terno. No ar, a presença de uma ausência. - Maggs -

Chuva (I)

Chove, persistentemente. Anoitece, impiedosamente. A janela aberta, teimosamente. A água, caindo melodiosamente. A terra molhada, exalando despretensiosamente. - Maggs -

Chuva (II)

Choveu. Anoiteceu. A terra saciada. A chama extinta. O coração aquietado. - Maggs -

Variações sobre o mesmo tema (II)

Todos os dias cumpria o mesmo ritual. Ao aproximar-se de casa, ao fim de um dia de trabalho, sentia crescer nela a expectativa de que naquele dia seria diferente. Tinha sempre a esperança de que ao abrir a caixa do correio encontraria a carta. E todos os dias, a carta não chegava. Sabia que tal não aconteceria, porém isso não a esmorecia. Pelo contrário, tinha aprendido a saber esperar. Na tranquilidade da noite, escrevia uma nova carta. Eram cartas corriqueiras, que descreviam o seu dia-a-dia. Queria que ele soubesse que estava bem, acima de tudo. No dia seguinte, no caminho para o trabalho, passava pela estação dos correios e enviava a carta. Ao fim do dia, a expectativa voltava a crescer. Uma noite sonhou que ele lhe dizia: "Tens de me vir buscar, tens de vir lutar por mim. Não consigo quebrar estas muralhas." Ainda o sol, timidamente, lançava os seus raios de luz para o início de um novo dia, já estava pronta para ir ter com o destinatário das cartas. Ao chegar, bateu à p

Variações sobre o mesmo tema (I)

Perdoa-me por insistir por galgar por invadir para chegar ao último reduto onde estás qual Senhor de um reino órfão. Perdoa-me por não arredar pé por não desistir Aprendi a saber esperar. - Maggs -

Variações sobre o mesmo tema (III)

Perdoa-me por vacilar por duvidar por questionar ao chegar ao último reduto onde estás qual Senhor de um reino auto-suficiente. Perdoa-me por arredar pé por desistir Aprendi que não queres que eu espere. - Maggs -

Encontro

Na antecipação do nosso encontro, ensaio as palavras, ensaio os gestos. E, no meio da multidão, mesmo antes dos meus olhos repousarem sobre os teus, sentirei a tua presença, sentirei que me observas à distância - insistentemente, sentirei que tens estado à minha espera - pacientemente. Na antecipação do nosso encontro, ensaio as palavras, ensaio os gestos. Aproximar-me-ei, hesitante e trémula. Não haverá palavras. Não haverá gestos. Aninhar-me-ei no teu peito que me parecerá imenso e apaziguador e envolver-me-ás no teu abraço. Na antecipação do nosso encontro, não vou ensaiar as palavras, não vou ensaiar os gestos, muito menos o meu olhar pois ele é límpido e cheio de saudades tuas. - Maggs -

Uma ida ao cinema

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Cidade da Praia, Cabo Verde - 1986 Saíamos de casa, descíamos a rua do Hospital, virávamos na primeira rua à direita, depois na primeira à esquerda, continuávamos a descer por essa rua e virávamos na primeira à direita, atravessávamos o jardim da Escola Grande e chegávamos ao cinema. Outras vezes, continuávamos o passeio até à praça Afonso Albuquerque e os meus pais compravam mancarra às vendedeiras que estavam no jardim da Escola Grande. Há um filme que vimos no cinema da Praia que me marcou de tal forma que ainda gravo na memória algumas imagens, como se tivessem ficado congeladas para sempre. Do que me consigo recordar, a história passa-se num bairro de operários e há um avô que ganha a vida a comprar e a vender bens usados, usando uma carroça puxada por um cavalo. O neto costuma acompanhá-lo e juntos apregoam os serviços do avô através de uma canção. O avô morre e a imagem que tenho bem vincada na minha memória é a de um grande plano da cara do menino e ele a lembrar-se (agora sei

Conversa à porta de casa

"Foi num dia igualzinho a este que nasceste. Estava este calor seco e não corria uma única brisa.", ía dizendo a avó enquanto Santiago se sentava perto dela, no mocho que tinha trazido da cozinha. O cão Pulgas, percebendo que o dono não estava para aventuras, deitou-se prazenteiramente aos pés de Santiago que lhe ía acariciando as longas orelhas castanhas. Era uma tarde de Domingo e Nha Maria e o neto estavam sentados à porta de casa, aproveitando a sombra que batia ali sempre por essa altura do dia. As pessoas que íam passando, paravam e cumprimentavam Nha Maria, perguntando-lhe pela saúde e família, acabando, invarialmente, a conversa dizendo: "Mas este é o seu neto? Cada vez mais parecido com o pai!". Nha Maria adorava contar estórias e Santiago era um excelente ouvinte, sempre de olhos arregalados, narinas dilatadas e de lábios entreabertos como se assim conseguisse absorver melhor todos os detalhes do que ela estava a contar. Mas ele não era o único ouvinte

A composição

Naquele dia, a professora sentia-se particularmente cansada e a turma estava irrequieta. Por isso, ela mandou que os alunos fizessem uma composição onde falassem sobre eles. Eis uma delas: "O meu nome é Santiago A.. Tenho 7 anos. Moro numa casa de cor verde com os meus pais mais a minha avó. A minha avó é a mãe do meu pai. Tenho um cão que se chama pulgas. Gosto muito do pulgas. O pulgas é pequeno, castanho e tem orelhas grandes. O pulgas gosta muito de brincar e eu gosto de brincar com ele. Mas, como diz a minha mãe, tenho de lavar sempre bem as mãos depois de brincar com o pulgas, principalmente se for comer. A minha avó faz doce de mancarra. Eu gosto muito de comer o doce de mancarra que a minha avó faz. E quando eu for grande, quero ser piloto-aviador porque quero conhecer o mundo inteiro. E é isto que eu quero dizer sobre mim." - Maggs - ________________ Em Cabo Verde chamamos mancarra ao amendoim.

Pedido

Deixa que os meus dedos passem pela tua testa, desmanchando essas linhas de preocupação. percorram a linha dos teus lábios, desenhando um sorriso. toquem o teu coração, compassando-o com o meu. enlacem nos teus dedos, iniciando a nossa jornada. - Maggs -

Espelho

Aproxima-te. Não tenhas receio. Nada mais sou do que o reflexo da tua alma. Aproxima-te. Sou eu que te chamo. Olha para mim, para ti, para nós. Aproxima-te. Tenho tanto para te dizer. Aproxima-te. Não te inibas. O mundo pode ser teu. Basta acreditares. - Maggs -

Feitiço

Ontem, dancei ao luar. Enfeitiçada por ti me sentindo. De vestido branco, diáfano, revelei-me na minha verdadeira dimensão - sem máscaras. Hoje, sob o sol brilhante, o feitiço desapareceu. Porém, continuas aqui ao meu lado. Decerto, foi mais que um simples encantamento. - Maggs -

Umbigo

O meu umbigo é redondo. O meu umbigo é perfeito. O meu umbigo é único. Levanto o olhar. A minha vida aconteceu e eu não dei por nada. - Maggs -

Rádio de Cabo Verde

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Cabo Verde, visto do espaço Passei esta última semana na míngua da rádio de Cabo Verde. Estando aqui na América profunda, esta situação levou-me a grandes inquietudes de alma. Agora mesmo estou a ouvir o inconfundível Bana e já não estou aqui, em Omaha, mas sim, à beira-mar sentindo o cheiro a maresia, ouvindo o gargalhar das crianças que mergulham nas ondas do mar, observando a vendedeira que apregoa doces, água de côco ou manguinhas, ouvindo o som do cavaquinho que ressoa em mim vezes sem conta. Nunca senti tanto a 'dor da saudade' tal como estou a senti-la neste ano aqui em Omaha. Por outro lado, são estes momentos que nos fazem ir mais além no conhecimento de nós próprios e dos nossos limites. E aqui, em Omaha, confirmo o que eu dizia a meia-voz quando estava em Londres: 'para sabermos para onde vamos, temos de saber de onde viemos'. E no meu caso pessoal, é a minha ligação forte, vibrante com Cabo Verde que me faz ir mais além, que me faz procurar novos desafios,

Credit score

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É difícil explicar o que não se entende, por isso, tentarei o meu melhor para explicar esta história do credit score . Aqui , contei que tive de deixar um depósito de 75 dólares na empresa que me fornece o serviço de internet, visto eu não ter um historial de crédito. Tentando mudar isso, fui aconselhada que a melhor maneira de começar a fazer o meu historial de crédito seria através da aquisição de um cartão de crédito. Lá voltei à questão retórica de "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?" pela dificuldade em obter o cartão visa: não tem historial de crédito; mas se não tenho historial de crédito, como posso então começar? Porém, o banco onde tenho conta decidiu contemplar-me com um secured visa card . Este cartão visa difere dos outros porque o valor do plafond no cartão tem de estar sempre disponível na minha conta a prazo. ... Quanta magnanimidade perante esta pobre criatura que quer construir um historial de crédito porque já não pode ouvir mais o comentário que &

Oásis

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Há um grito que não ecoa. Há uma dor que não mitiga. Há um olhar que não acontece. Porém, no recesso da alma, tudo se apazigua, tudo se harmoniza, tudo faz sentido. Há uma voz que chama. Há um odor que inebria. Há uma mão que guia. - Maggs - ________________ Tenda no deserto do Sahara foto de Dan Heller