Uma ida ao cinema



Saíamos de casa, descíamos a rua do Hospital, virávamos na primeira rua à direita, depois na primeira à esquerda, continuávamos a descer por essa rua e virávamos na primeira à direita, atravessávamos o jardim da Escola Grande e chegávamos ao cinema. Outras vezes, continuávamos o passeio até à praça Afonso Albuquerque e os meus pais compravam mancarra às vendedeiras que estavam no jardim da Escola Grande.
Há um filme que vimos no cinema da Praia que me marcou de tal forma que ainda gravo na memória algumas imagens, como se tivessem ficado congeladas para sempre. Do que me consigo recordar, a história passa-se num bairro de operários e há um avô que ganha a vida a comprar e a vender bens usados, usando uma carroça puxada por um cavalo. O neto costuma acompanhá-lo e juntos apregoam os serviços do avô através de uma canção. O avô morre e a imagem que tenho bem vincada na minha memória é a de um grande plano da cara do menino e ele a lembrar-se (agora sei que era uma recordação!) dos percursos que faziam pela cidade na carroça do avô, cantando com ele.
Saímos do cinema e, no regresso a casa, estávamos todos a comentar o filme e eu, num misto de interrogação e de afirmação porque, acima de tudo, queria tranquilizar-me, disse algo do género: "Deus ficou triste por saber que o neto tinha ficado desconsolado, por isso, trouxe o avô ao mundo novamente, não é?" Na altura, com menos de dez anos, foi a minha forma de resolver a minha angústia por ver o menino triste. Hoje, sei que a realidade é outra mas em relação a este filme, a criança e o avô continuam a percorrer as ruas da minha imaginação apregoando que compram e vendem toda a espécie de bugigangas.
- Maggs -

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