Absurdo...

Um raciocínio absurdo...

"Tal como há dias em que, sob o rosto familiar de uma mulher, encontramos como uma estranha aquela a que amamos há meses ou há anos, vamos talvez assim desejar mesmo aquilo que de repente nos torna tão sós. ... esta espessura e esta estranheza do mundo - é o absurdo."
"Os homens também segregam algo de inumano. Em certas horas de lucidez, o aspecto mecânico dos seus gestos, a sua pantomima privada de sentido torna estúpido tudo o que os rodeia. ... Esse mal-estar ante a inumanidade do próprio homem, essa queda incalculável ante a imagem daquilo que somos, essa "náusea", como lhe chama um autor [Jean-Paul Sartre] dos nossos dias, é também o absurdo. Também o estranho, que em certos segundos vem ao nosso encontro num espelho, o irmão familiar e apesar disso inquietante que encontramos nas nossas próprias fotografias, é ainda o absurdo."


O homem absurdo...

"Se amar fosse o bastante, as coisas seriam simples de mais. Quanto mais amamos mais o absurdo se consolida. ... Porque o amor de que aqui se fala é enfeitado com as ilusões do eterno. Todos os especialistas da paixão no-lo dizem, não há amor eterno, a não ser contrariado. Não existe paixão sem luta. Tal amor só encontra fim na derradeira contradição, que é a morte. É preciso ser Werther ou nada. Ainda aí, há várias maneiras de alguém se suicidar, uma das quais é o dom total e o esquecimento de si próprio."
"... Só chamamos amor àquilo que nos liga a certos seres, em referência a um modo de ver colectivo, de que são responsáveis os livros e as lendas. Mas do amor só conheço essa mistura de desejo, de ternura e de inteligência que me liga a determinado ser. ... Não há amor generoso a não ser aquele que ao mesmo tempo se sabe passageiro e singular."

in O míto de Sísifo: ensaio sobre o absurdo - Albert Camus (1942)

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