Viagens...

"Uma folha impressa na nossa língua, um lugar onde à noite tentamos tomar contacto com os homens, permitem-nos imitar, num gesto familiar, o homem que éramos na nossa terra e que, à distância, nos parece tão estranho. Porque o que dá valor à viagem é o medo. Ele destrói em nós uma espécie de cenário interior. ... Viajar tira-nos esse refúgio. Longe dos nossos, da nossa língua, desligados de todos os nossos apoios, privados das nossas máscaras (não se conhecem as tarifas dos eléctricos e é tudo assim), ficamos inteiramente com a nossa aparência. Mas também por sentirmos a alma doente, damos a cada ser, a cada objecto, um valor de milagre. Uma mulher que dança sem pensar, uma garrafa em cima de uma mesa, avistada através de uma cortina: cada imagem se torna um símbolo. A vida parece-nos reflectir-se completamente neles, na medida em que a nossa vida, naquele momento, neles se resume.
... Se a linguagem daquelas terras se harmonizava com o que ressoava profundamente em mim, não era porque respondia às minhas perguntas mas porque as tornava inúteis. Não eram acções de graça que podiam subir-me aos lábios mas aquele Nada que não pôde nascer senão diante de paisagens esmagadas pelo sol. Não há amor à vida sem desespero de viver."

Amor à vida, in "O avesso e o direito" - Albert Camus (1913-1960)
ensaio escrito aquando de uma visita ao sul de Espanha, na altura com vinte e dois anos.

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