Marulhar das ondas

Mais um fragmento da história da D. Bia



Era uma senhora petite. Caminhava ligeira pelas ruas da cidade de Mindelo no seu passo pequeno e rápido, postura erecta e olhar decidido. As agruras da vida nunca lhe tinham tirado a capacidade de gargalhar. Por sentir o dom da vida a cada momento, os olhos de D. Bia bailavam constantemente de alegria. Esse júbilo nunca esmoreceu, nem quando descobriu, aos 24 anos, que o seu casamento era uma falácia e que tinha sido mais uma a cair na cantiga melodiosa de um marinheiro que aportava algumas vezes por ano em S. Vicente. Chorou silenciosamente mas o brilho nos olhos nunca chegou a desaparecer. E porque deveria? Tinha conseguido trazer ao mundo seis crianças saudáveis e que hoje só lhe davam alegrias!

Todavia, havia uma altura do dia onde o andar se tornava pausado, tranquilo, sem pressas. Pela manhãzinha, D. Bia fazia o percurso da avenida marginal até à praia da Laginha. Iniciara esse ritual no dia seguinte à partida do último filho para o estrangeiro e os amigos e conhecidos, ao cruzarem com ela, limitavam-se a cumprimentá-la não ousando quebrar o seu recolhimento. De olhar brilhante e sorriso bailando discretamente nos lábios, respondia ao cumprimento e repousava novamente o olhar na direcção do mar. Avançava vagarosamente pela marginal, em direcção à Laginha. Defronte ao mar, permanecia sentada por um largo tempo, ouvindo atentamente o marulhar das ondas, como se trouxesse novas dos filhos. No seu íntimo, ela ia respondendo. Falava das saudades, lembrava-se de algum episódio da infância dos filhos, agradecia aquela carta ou encomenda.

Eram esses momentos que lhe davam força para que o tal brilho nos olhos não esmorecesse nunca. Não exteriorizava os seus pensamentos mais íntimos, mas a dor da saudade consumia o seu pequeno ser muito mais do que a dor do fracasso do seu casamento ou mesmo das inúmeras dificuldades em criar e educar os seus filhos. Sentada defronte ao mar, abstraia-se do que a rodeava e imaginava os filhos sentados à volta dela. Ela protegia-os, mimava-os e deliciava-se porque via-os como quando eles ainda eram crianças e estavam sob a sua asa materna. Depois de saciada a saudade, levantava-se e fazia o percurso de regresso, parando no mercado para as compras do dia.



Maggs

Comments

Anonymous said…
que beleza Maggy.
Como compreendo essa pose silenciosa olhando o mar. Esperando que nos dê a paz nascida do encontro com a saudade. Em recolhimento...

lindo

arega e cª
Maggy Fragoso said…
Arega & Cª

O que escreveste aqui... fez-me sentir tão realizada. A minha escrita de nada valerá se ela não ressoar em quem a lê.

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