Memórias de uma criança-soldado

Em Fevereiro deste ano, ouvi no programa de rádio Fresh Air da National Public Radio, uma entrevista com o Ishmael Beah sobre a sua luta pela sobrevivência durante a guerra civil na Serra Leoa na década de noventa. Lembro-me que ao ouvir a entrevista fiquei impressionada com a sua postura perante a vida, tendo em conta tudo o que ele viveu com apenas doze anos de idade. Ele perdeu os pais e os irmãos nessa guerra para além de ter sido recrutado pelo exército da Serra Leoa para combater a Frente Unida Revolucionária. Nessa entrevista, ele fala sobre a sua vida como soldado-rapaz, do seu processo de 'recuperação' após ter sido tirado do exército pela UNICEF e do doloroso processo de desintoxicação de todas as drogas que eles tomavam para, evidentemente, conseguirem praticar as atrocidades que cometiam.
Recentemente, li a autobiografia que Ishmael publicou e que deu origem à tal entrevista no Fresh Air. Obviamente, é um livro que descreve os actos violentos que ele testemunhou e que cometeu enquanto soldado. Essa violência é descrita de forma nua e crua mas sem ser sensacionalista porque ela é apresentada sob o olhar de uma criança que tenta tudo para chegar ao fim de cada dia vivo. E nessa luta pela sobrevivência, é necessário abafar todos os sentimentos de boa fé ou de respeito pelo próximo. Ao mesmo tempo, como que para prender o leitor até ao fim não o fazendo desistir perante tamanho desrespeito pela vida humana, ele vai descrevendo as tradições e os valores do seu povo, nomeadamente as suas memórias vivas da infância: o respeito pelos mais velhos - que são os sábios -, o ouvir histórias ao redor da fogueira, os vários momentos que ele passou com a avó que lhe contava como tinha sido a sua cerimónia de nome.
Ishmael Beah fugiu da Serra Leoa, através da Guiné Conacri em 1998, vivendo actualmente na cidade de Nova Iorque.
- Maggs -

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