A visita

Falaram-me tanto da sabedoria de Nha Clara e, agora, defronte a ela, não conseguia dizer nada. Sei que descera do Hiace e que, destemida, subira a ladeira até à casa térrea de Nha Clara. Porém, mal a vira sentada no mocho, à porta de casa, perdera toda a coragem para as perguntas prementes que tinha dentro de mim.
Debruçada sobre um enorme balaio, Nha Clara descascava, sem pressas e metodicamente, vagens de feijões. Tirava uma vagem do balaio, puxava a linha, às vezes, com a ajuda de uma pequena faca, e, cuidadosamente, retirava os feijões e, sem desviar o olhar do balaio, deixava-os escorregar da sua mão e cair numa panela, colocada no seu lado direito. No seu labor, ainda não levantara os seus olhos para me ver e eu... eu hesitava em cumprimentá-la. Sentia-me mais segura a mirá-la e os seus gestos tranquilos aquietavam-me.
Finalmente, pareceu ter sentido a minha presença, pois levantou o olhar, colocou a mão direita sobre os olhos e, com a mão esquerda, sem hesitações, fez-me sinal para me aproximar. Como que hipnotizada, cheguei perto, pedi-lhe a benção e sentei-me a seu lado, por sua indicação. Nha Clara não falou mas o seu olhar meigo foi o seu abraço de boas-vindas para mim. Sem proferir palavra, indicou-me as vagens e, a seu lado, dediquei-me a esse labor. As minhas mãos foram ficando àsperas e as minhas unhas sujas, contudo, dentro de mim crescia o sentimento de satisfação pessoal. Quando começou a anoitecer, Nha Clara levantou-se e eu ajudei-a a colocar o balaio e a panela dentro de casa. Fez-me adeus e, novamente, pedi-lhe a benção. Sentindo-me livre e ligeira, desci, numa alegre correria, a ladeira e apanhei o Hiace de volta à capital.
- Tive um sonho estranho. Sonhei que passei uma tarde com uma anciã, no interior de Santiago a descascar vagens de feijões. - comentei contigo, aproximando a minha mão para te fazer um carinho no rosto.
- Menina, precisas ir arranjar estas mãos! Estão àsperas! O que andaste a fazer? De certeza que não passaste a tarde a tirar uma soneca no sofá como me estás a dizer! - respondeste, alarmado, lembras-te? Depois, foste abrir a porta da rua para recebermos a visita da tua mãe.
- Oh meus filhos, já viram a prenda que vos deixaram à porta? Uma panela cheia de feijões descascados!
Aí, olhaste para mim, os teus olhos estupefactos, e disseste-me:
- Menina, mas isso foi mesmo um sonho?
Ainda hoje não te sei dizer se foi um sonho ou não. Mas posso dizer-te que aprendi que a minha vida, o meu destino, estão nestas mãos! As mesmas mãos que buscam o teu rosto e te fazem uma carícia antes de adormeceres a meu lado.

Comments

Anonymous said…
Não sei como consegues, mas consegues.

Gostei muito desta prosa... Talvez por ja me ter acontecido algo semelhante.

Um beijo Maggs.
Unknown said…
ki nice. endless...bu ka ta sabi unid kumesa nem undi ki termina. thumb up :)

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