Os amantes

Para os amantes, o sol sumia vagarosamente no horizonte e o mar inflamava-se e fundia-se nos tons de vermelho e laranja do céu. A brisa trazia consigo o cheiro forte a maresia e Lígia, fechando os olhos, inspirava sofregamente e apertava com firmeza a mão de César. O rosto, luminoso, deixava transparecer a sua alegria interior por sentir novamente o cheiro característico do mar, transportando-a para a sua infância passada à beira-mar. Sem querer quebrar a ligação com o seu passado, Lígia, ainda de olhos fechados, aproximou a mão de César dos seus lábios e beijou-a ternamente. Com o pensamento perdido nas tonalidades do céu e do mar, César sorriu ao sentir a suavidade do toque dos lábios de Lígia.
Pausaram a caminhada pela Marginal e César repousou o olhar em Lígia, que permanecia mergulhada nos cheiros da sua meninice. Maravilhado, César continuou a olhar para ela, tentando absorver a energia que irradiava dela. Queria entranhar-se nela e conseguir encontrar essa sua avidez inesgotável pela vida. Sim, era por isso que estava tão preso a ela. A fome de viver de Lígia ia despertando aos poucos a sua alma adormecida pela sucessão dos dias sempre iguais. Sim, queria poder fundir-se nela e assim sentir-se vivo novamente!
Lígia abriu os olhos e repousou o olhar no de César que a fitava tão intensamente. Ela deixou que ele invadisse a sua intimidade com aquele olhar tão penetrante. Deu-lhe a liberdade para ele procurar o que tanto precisava e que depois se apoderasse disso sem pedir licença, pois ela era dele. Desde sempre. Esse olhar fazia com que ela se sentisse tão desprotegida, mas, igualmente, tão completa porque eram nesses momentos que os dois se fundiam, completando o outro, saciando a inquietude do outro. César sentia-se agora inclinado a concordar com Lígia quando ela lhe dizia que deixassem que os seus olhares dissessem aos seus corações o que eles nem mesmo sonhavam, o que eles nunca iriam conseguir dizer por palavras. Sim, ela tinha razão.
- Porque sinto que te vou perder, Lígia?
- Porque vais ter de me perder para me encontrares novamente. Mas estarei sempre perto de ti, mesmo quando estiveres longe de mim.
- Serei eu a deixar-te, é isso?
- Não, meu amor. Há-de chegar o dia que sentirei que terei de te deixar para poderes sentir a minha falta. Nesse dia, deixar-te-ei somente um bilhete.
- Mesmo quando estou perto de ti, sinto a tua falta. Sinto a falta daquilo que ainda me vais dar.
- Ainda não sentes a minha falta... Quando finalmente sentires isso, tudo fará sentido para ti.
- Porque falas sempre por enigmas, Lígia?
- Porque sinto que te vou perder, César?
- Porque vais ter de me perder para me encontrares novamente. Mas estarei sempre perto de ti, mesmo quando estiveres longe de mim.
Lígia sorriu e aninhou-se no peito de César. Anoiteceu.

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